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Cannabis

“Sola dosis facit venenum” (somente a dose faz o veneno / a diferença entre o remédio e o veneno, é a dose) — Paracelsus (1493–1541), médico e alquimista suíço.

As resoluções mais recentes sobre o Cannabis (maconha) no Brasil envolvem decisões do Supremo Tribunal Federal, que em junho de 2024 decidiu descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal, estabelecendo que a posse de até 40 gramas da substância não deve ser tratada como crime.

A detailed image of a middle-aged male scientist named Dr. Matthew Hill standing alone beside a healthy, vibrant weed plant in a laboratory setting. Dr. Hill is wearing a white lab coat, glasses, and is holding a clipboard. The lab is modern, with scientific equipment and shelves containing various plants in the background. The focus is on the doctor and the weed plant, which is tall and green, with well-defined leaves. Ensure that only one person is in the image.

Em um podcast americano recente, um especialista em Cannabis esclareceu muitos mitos sobre a planta e os seus usos. Entre outras informações, ele demonstra que a relação entre o uso de Cannabis e o aumento da incidência de psicose e esquizofrenia não é bem estabelecido. O psiquiatra londrinense Marcos Liboni, vê a mesma questão de forma diferente.

O dr Marcos Liboni é médico psiquiatra formado pela Universidade Estadual de Londrina. Após a graduação, realizou sua residência médica em Psiquiatria pela Universidade de São Paulo, no campus de Ribeirão Preto, no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. Lá, deu continuidade aos estudos de pós-graduação. Fez seu doutorado na USP, em São Paulo, no Instituto Oscar Freire e na Escola de Psiquiatria Forense de Medicina Legal, também da Universidade de São Paulo. Durante esse período, trabalhou com um pequeno braço de pesquisa que foi denominado 'Teoria da Mente de Construção', ou seja, a desconstrução de algumas questões fenomenológicas sobre o comportamento humano.

Seu trabalho concentrou-se no desenvolvimento moral, um construto que também era psicológico, investigando como as pessoas tomam decisões morais sob a perspectiva da psicologia cognitiva, com ênfase no viés. Adotou como base o ponto de vista pedagógico de Piaget. Desde então, ele tem atuado como médico psiquiatra na prática clínica. Além disso, é docente da Universidade Estadual de Londrina, em Londrina, Paraná, onde exerce a função de professor há mais de 20 anos.

O QUE É O CANNABIS?

É uma planta comum aos humanos há milênios. Os usos mais tradicionais são o espiritual e o medicinal. Era pouco usada para uso recreativo até os últimos 200 anos, quando foi popularizado para esse uso na Índia e na China. O consumo mais recente, de grandes quantidades e concentrações, foi introduzido pelos HIPPIES, nos anos 60, nos EUA.

A prevalência do uso de Cannabis na população acima de 12 anos, nos últimos anos, é de cerca de 17% nos Estados Unidos, 8% na União Europeia e 1,5% no Brasil, com base em levantamentos recentes. O valor muito maior nos Estados Unidos pode ser devido ao aumento do uso medicinal, e não recreativo.

Cannabis e cânhamo são termos que se referem à mesma espécie de planta (Cannabis sativa e Cannabis indica), mas são usados para descrever diferentes variedades e usos da planta, com base em suas características químicas e morfológicas.

Tradicionalmente, a sativa teria níveis mais altos de THC e menores de CBD, enquanto a indica teria mais CBD e menos THC. Isso é um mito, a classificação diferenciada das duas se refere a características botânicas. Altas ou baixas concentrações de THC podem ocorrer nas duas, dependendo de fatores como o cultivo, a genética específica da planta e as condições ambientais em que foram desenvolvidas.

Um estudo de 2015 mostra que a diferenciação genética entre sativa e indica não é clara, sugerindo que os rótulos são mais culturais do que científicos (PLOS ONE).

Composição Química:

Cannabis: Refere-se às variedades de Cannabis que são cultivadas para fins recreativos ou medicinais devido ao seu alto teor de THC (tetra-hidrocanabinol) — o composto psicoativo responsável pelos efeitos de intoxicação.

Cânhamo: Refere-se às variedades de Cannabis que contêm teor muito baixo de THC (menos de 0,3% na maioria das legislações) e são ricas em CBD (canabidiol), um composto não psicoativo. O cânhamo é cultivado principalmente para fins industriais e comerciais. Geralmente, o cânhamo é legal em muitos países, especialmente para uso industrial, desde que contenha menos de 0,3% de THC, como estipulado em várias legislações, incluindo a dos Estados Unidos e União Europeia.

O THC mexe com uma espécie de 'fechadura' no cérebro chamada receptor CB1. É como se ele bagunçasse a comunicação entre os neurônios.

O THC se liga aos receptores CB1, que estão localizados principalmente em terminais pré-sinápticos de neurônios no cérebro, especialmente em áreas como o hipocampo e o córtex, envolvidas em memória e percepção. Essa ligação ativa os receptores, que são do tipo acoplado a proteínas G, levando a uma redução na liberação de neurotransmissores.

Essa redução altera a comunicação normal entre os neurônios, diminui a liberação de GABA, o que reduz a inibição e pode aumentar a atividade de outros neurônios, ou reduz a liberação de glutamato, diminuindo a excitação. Esses efeitos estão relacionados aos impactos psicoativos da cannabis, como a alteração na percepção do tempo e do espaço.

Há indícios que, em doses mais altas, pode haver disrupção significativa, especialmente em funções cognitivas, mas em doses baixas, pode ser mais uma ‘regulação’. Isso depende do tipo de neurônio e da região cerebral.

Um estudo recente da Universidade do Colorado, publicado em 28 de janeiro de 2025 na JAMA Network Open Brain Function Outcomes of Recent and Lifetime Cannabis Use, analisou mais de 1.000 jovens adultos e encontrou que 63% dos usuários pesados ao longo da vida (mais de 1.000 usos) tinham menor atividade cerebral durante tarefas de memória de trabalho, associada a pior desempenho. O mesmo estudo identificou menor ativação em regiões como o córtex pré-frontal dorsolateral e medial, áreas cruciais para concentração e tomada de decisões, em usuários de grandes concentrações.

Outras pesquisas, como uma revisão de 2013 The effect of cannabis use on memory function: an update, sugerem que déficits de memória podem persistir por até um ano após a cessação, especialmente em quem começou a usar antes dos 25 anos, indicando efeitos de longo prazo.

O córtex pré-frontal, incluindo suas sub-regiões como o dorsolateral e o medial, é crucial para funções executivas, como concentração, planejamento e tomada de decisões.

O THC interfere no sistema endocanabinoide ao ativar os receptores CB1, o que pode levar à sua downregulation (diminuição da quantidade ou sensibilidade de receptores em uma célula em resposta a um estímulo externo, como a exposição prolongada a uma substância), reduzindo a sensibilidade a endocanabinoides naturais como a anandamida, afetando a regulação de funções como memória, humor e dor.

Esses desequilíbrios podem resultar em dificuldades cognitivas persistentes, especialmente em memória de trabalho, e alterações estruturais no cérebro, como redução do volume de substância cinzenta. Essas alterações podem ser irreversíveis.

Há debate sobre a reversibilidade desses efeitos, com alguns estudos sugerindo recuperação parcial após abstinência, enquanto outros indicam impactos duradouros, especialmente em usuários que começaram na adolescência.


O estudo sueco que mostrou um aumento de 6 vezes no risco de desenvolvimento de psicose com o uso de cannabis é conhecido como o "Estudo de Conscritos Suecos". Ele foi publicado em 1987 na revista The Lancet com o título "Cannabis and Schizophrenia: A Longitudinal Study of Swedish Conscripts", conduzido por Sven Andréasson e colegas.

Foi um estudo de coorte longitudinal que acompanhou 45.570 conscritos suecos do sexo masculino, recrutados em 1969-1970, durante um período de 15 anos. Os pesquisadores analisaram a relação entre o consumo de Cannabis relatado pelos participantes aos 18-20 anos e o diagnóstico subsequente de esquizofrenia. Os resultados indicaram que os indivíduos que relataram uso elevado de Cannabis (mais de 50 ocasiões) tinham um risco relativo de 6,0 (intervalo de confiança de 95%: 4,0-8,9) de desenvolver esquizofrenia em comparação com não usuários. O estudo ajustou variáveis como histórico de outras doenças psiquiátricas e fatores sociais, sugerindo que o Cannabis poderia ser um fator de risco independente para a esquizofrenia.

Esse trabalho é um marco na pesquisa sobre a associação entre Cannabis e psicose (embora tenha gerado debates sobre causalidade versus fatores confundidores, como predisposição genética ou uso de outras drogas). Estudos posteriores, como uma análise ampliada dessa mesma coorte em 2002, publicada no BMJ, corroboraram a relação dose-dependente entre o uso de Cannabis e o risco de esquizofrenia, refinando ainda mais as conclusões iniciais.


Interferência nos níveis de testosterona e no sono

  • A pesquisa sobre os efeitos do cannabis nos níveis de testosterona é inconclusiva; parece que o uso recente pode aumentar os níveis, enquanto o uso crônico pode não ter efeito ou até diminuí-los.

Níveis de Testosterona

A evidência é complexa: alguns estudos sugerem que o uso recente de cannabis pode elevar os níveis de testosterona, enquanto outros indicam que o uso crônico pode reduzi-los ou não causar mudanças significativas. Há relatos de casais que tinham dificuldade para engravidar e resolveram o quadro com a interrupção do uso do Cannabis. Uma revisão sistemática de 2021 (Associação entre uso de cannabis e função testicular em homens) não encontrou diferença significativa entre usuários e não-usuários, destacando a controvérsia. Pode depender da frequência e do padrão de uso.

  • Sobre o sono, muitos usam cannabis para ajudar a dormir, mas os estudos mostram resultados mistos, com possíveis benefícios para adormecer, mas riscos de perturbar a qualidade do sono, especialmente o sono REM.

Interferência no Sono

Muitas pessoas relatam que o cannabis ajuda a dormir, especialmente em condições como dor crônica ou transtorno de estresse pós-traumático. No entanto, a pesquisa é ambígua: pode facilitar o adormecer, mas há evidências de que reduz o sono REM, essencial para a saúde cognitiva, o que afeta a qualidade do sono a longo prazo (Cannabis para o Sono: Benefícios e Riscos). Isso é importante, pois muitos podem não perceber que o uso prolongado pode levar a problemas como tolerância. Há um risco bem estabelecido de insônia após interrupção do uso prolongado.


NOTAS HISTÓRICAS

Estados Unidos

Em 1619, a primeira lei sobre a maconha na América foi promulgada na Colônia de Jamestown, Virgínia, “ordenando” que os agricultores “fizessem uma experiência” (cultivassem) sementes de cânhamo indiano. O objetivo era econômico, focado na produção de fibras para cordas, tecidos e velas.

Mais leis obrigatórias de cultivo de cânhamo foram promulgadas em Massachusetts em 1631, em Connecticut em 1632 e nas Colônias da Baía de Chesapeake até meados de 1700. O grau de obrigatoriedade variava, tendo sido mais forte em períodos posteriores, como na Virgínia entre 1763 e 1767, quando o não cumprimento podia levar à prisão.

Mesmo na Inglaterra, a obtenção da cobiçada cidadania britânica plena foi facilitada por decreto da coroa a estrangeiros que cultivassem CANNABIS.

O CANNABIS era moeda legal (dinheiro) em algumas partes das Américas de 1631 até o início de 1800. Em Maryland, em 1683, o cânhamo foi declarado "legal tender" (moeda legal) para pagar dívidas públicas, mas perdeu esse status em 1777 com a introdução de papel-moeda. Por quê? Para incentivar os agricultores americanos a cultivar mais.

Foi possível pagar impostos com CANNABIS em toda a América por mais de 200 anos.

George Washington e Thomas Jefferson cultivavam CANNABIS em suas plantações.

Jefferson, enquanto estava como enviado na França, fez grandes dívidas — e até considerável risco para si mesmo e seus agentes secretos — para obter sementes de cânhamo de boa qualidade contrabandeadas ilegalmente da Turquia através da China. Os mandarins chineses (governantes) valorizavam tanto essas sementes de cânhamo que tornaram sua exportação um crime capital.

Benjamin Franklin iniciou uma das primeiras fábricas de papel da América com CANNABIS. Isso permitiu à América ter uma imprensa colonial livre, sem precisar mendigar ou justificar papel e livros da Inglaterra.

O Censo dos Estados Unidos de 1850 documentou 8.327 “plantações” de cânhamo (tamanho mínimo de 2.000 acres); plantações menores (estimadas em centenas de milhares) não foram incluídas na conta.

Vários extratos de maconha e haxixe estavam entre os medicamentos mais prescritos nos Estados Unidos de 1842 até a década de 1890. A cannabis foi integrada à United States Pharmacopeia (USP) em 1851, permanecendo listada até 1942. Seu uso medicinal atingiu o auge entre as décadas de 1840 e 1890, antes das restrições legais do século XX. Além disso, o uso medicinal legal continuou até a década de 1930 para humanos e foi ainda mais proeminente em medicamentos veterinários durante esse período.

Medicamentos à base de extrato de cannabis foram produzidos por Eli Lilly, Parke-Davis, Tildens, Smith Brothers, Squibb e outras farmacêuticas americanas e europeias. Durante todo esse tempo, não houve uma única morte relatada devido aos medicamentos de extrato de cannabis, e praticamente nenhum abuso ou distúrbio mental foi registrado; para usuários de primeira viagem ou novatos, ocasionalmente causava desorientação ou excesso de introversão.

POR QUE O CÂNHAMO/CANNABIS FOI TÃO IMPORTANTE NA HISTÓRIA?

Porque é uma das fibras naturais macia mais forte, durável e de maior longevidade do planeta. Além disso, suas folhas e flores foram, dependendo da cultura, o primeiro, segundo ou terceiro medicamento mais importante e amplamente utilizado por dois terços da população mundial por pelo menos 3.000 anos, até o início do século XX.

Botanicamente, o cânhamo é membro da família de plantas mais avançada da Terra. É uma planta dióica (isto é, com plantas masculinas, femininas e às vezes hermafroditas [masculinas e femininas na mesma planta]), herbácea, anual e lenhosa, que utiliza o sol de forma mais eficiente do que praticamente qualquer outra planta em nosso planeta, alcançando uma robusta altura de 3,5 a 6 metros de altura em uma única curta estação de crescimento. Pode ser cultivada em praticamente qualquer clima ou condição de solo.

O cânhamo é considerado por muitos o principal recurso natural renovável da Terra.

Principais Usos do Cânhamo

Navios e Navegação Cerca de 90% das velas de todos os navios, desde antes dos Fenícios até a invenção dos motores a vapor, eram feitas de cânhamo.

Foi usado na confecção de cordas, redes de pesca, bandeiras, estopa e calafetagem de navios (para vedação contra água salgada).

Papéis de bordo, mapas, diários e Bíblias dos marinheiros eram feitos de papel de cânhamo, que durava muito mais tempo e era mais barato de produzir.

Até mesmo as roupas dos marinheiros, incluindo sapatos, eram confeccionadas com cânhamo.

Tecidos e Têxteis Oitenta por cento dos tecidos e têxteis da humanidade, incluindo roupas, tendas, bandeiras, lençóis, toalhas e fraldas, eram feitos principalmente de fibras de cânhamo até o século XIX.

Irlanda e Itália eram conhecidas por produzir os melhores linho e tecidos finos de cânhamo, reconhecidos pela sua qualidade superior.

Papel de Fibra e Polpa De 75 a 90% de todo o papel era feito de fibra de cânhamo até 1883, incluindo livros, Bíblias, jornais, ações, títulos e panfletos.

O primeiro rascunho da Declaração de Independência dos Estados Unidos foi escrito em papel de cânhamo.

O papel de cânhamo era muito durável e foi utilizado em diversos documentos históricos importantes.

Cordas, Barbantes e Cordoaria Praticamente todas as cidades do mundo, em algum momento, utilizavam cânhamo para fazer cordas, devido à sua durabilidade e qualidade superior.

De 70% a 90% de todas as cordas e barbantes eram feitos de cânhamo até 1937.

Telas para Pintura Cânhamo era considerado o meio perfeito para telas de pintura.

Artistas famosos como Rembrandt, Van Gogh e Gainsborough utilizavam telas feitas de cânhamo para suas obras.

O óleo do cânhamo é um excelente solvente para tintas e pode ser usado também para combustão.

O cânhamo é uma excelente fonte de biomassa.

Materiais de Construção

O cânhamo pode ser usado para criar materiais de construção práticos e baratos, que são resistentes ao fogo e possuem excelentes qualidades térmicas e de isolamento acústico. Um processo chamado "Environcore" utiliza calor e compressão em fibras agrícolas para criar painéis de construção fortes, substituindo o drywall e a madeira compensada.

Tapetes

O cânhamo foi utilizado ao longo da história como base para tapetes. As fibras de cânhamo têm potencial para a fabricação de carpetes fortes e resistentes ao apodrecimento, eliminando os fumos tóxicos liberados por materiais sintéticos em caso de incêndio, além de reduzir as reações alérgicas associadas aos novos carpetes sintéticos.

Tubulação Plástica (PVC)

Tubos de PVC podem ser fabricados utilizando celulose de cânhamo renovável como matéria-prima química, substituindo matérias-primas químicas não renováveis à base de petróleo.

Fumo, Lazer e Criatividade A Declaração de Independência dos Estados Unidos reconhece os direitos inalienáveis de "vida, liberdade e a busca da felicidade". Decisões judiciais subsequentes interpretaram esses direitos como abrangendo o direito à privacidade e à escolha pessoal, protegidos pela Constituição dos EUA e suas emendas.

Muitos artistas e escritores usaram cannabis para estimulação criativa — desde os escritores das obras religiosas mais reverenciadas do mundo até nossos satiristas mais irreverentes.

Entre eles estão Lewis Carroll e seu personagem fumando narguilé em Alice no País das Maravilhas, além de Victor Hugo e Alexandre Dumas; grandes nomes do jazz como Louis Armstrong, Cab Calloway, Duke Ellington e Gene Krupa; e o padrão continua até artistas e músicos modernos como os Beatles, Rolling Stones, Bob Marley, Eagles, Doobie Brothers, Jefferson Airplane, Willie Nelson, Buddy Rich, Country Joe & the Fish, Joe Walsh, David Carradine, Ryan O'Neal, David Bowie, Iggy Pop, Liza Minnelli, Neil Diamond, Hunter Thompson, Linda Blair, Peter Tosh e Grateful Dead.

Claro, fumar maconha aumenta a criatividade apenas para alguns, não para todos.

Mas, ao longo da história, várias proibições e movimentos “de temperança” tentaram (e ocasionalmente conseguiram) proibir substâncias preferidas para o relaxamento, como álcool, tabaco ou cannabis.

Abraham Lincoln respondeu a esse tipo de mentalidade repressiva em dezembro de 1840, quando disse:

“A proibição... vai além dos limites da razão ao tentar controlar o apetite de um homem pela legislação e torna crime coisas que não são crimes... Uma lei de proibição atinge os próprios princípios sobre os quais nosso governo foi fundado.”

As Propriedades do Cânhamo

De um manuscrito herbal medieval

A semente de cânhamo, quando consumida em grande quantidade na carne, desperta a semente natural. O suco de cânhamo verde é bom contra a dor de ouvido, se for colocado dentro do mesmo. Simão Sethy escreve: "A semente de cânhamo, se tomada em excesso, tira o juízo dos homens". Assim como o coentro, "o pó das folhas secas de cânhamo deixa os homens embriagados". Plínio escreve que o suco de cânhamo colocado nos ouvidos mata vermes e todos os animais que estão no ouvido, mas causa dor de cabeça. O cânhamo é de uma natureza tal que pode coagular a água e mantê-la unida, e por isso é bom para estômagos de animais, embriagados em água. Ele também diz que é bom para aplicar em lugares queimados, mas deve ser trocado frequentemente para que não seque.

A CANNABIS foi proibida em 1937, reintroduzida brevemente durante a 2ª Guerra e finalmente considerada substância CLASSE I nos Estados Unidos em 1970, com a promulgação da Lei de Substâncias Controladas:

Aqui estão alguns pontos-chave sobre drogas de Classe I:

Definição: As drogas de Classe I não têm uso médico aceito e têm alto potencial de abuso.

Além do CANNABIS, outras substâncias de Classe I incluem heroína, LSD (ácido lisérgico dietilamida), ecstasy (3,4-metilenodioximetanfetamina) e peyote.

Embora alguns estados americanos tenham legalizado a maconha para uso pessoal ou médico, ela ainda é considerada uma droga de Classe I em nível federal.

Brasil

A história da proibição da maconha no Brasil data dos séculos XIX e início do XX. Em 1830, a cidade do Rio de Janeiro promulgou a primeira lei proibindo o uso da planta, principalmente entre os escravizados africanos. Essa proibição foi ampliada em 1932, quando a maconha foi incluída na primeira lista de substâncias proibidas pelo governo brasileiro.

A primeira lista completa de substâncias proibidas pelo governo brasileiro, publicada em 1932, pelo Decreto nº 20.930 de 11 de janeiro de 1932, incluiu as seguintes substâncias: Ópio e seus derivados, como:

Morfina

Heroína

Codeína

Dionina

Pantopon

Cocaína e seus derivados, incluindo:

Eucocaína

Novocaína (e outros compostos anestésicos derivados da cocaína)

Maconha (Cannabis sativa) e seus derivados:

Preparações derivadas da planta de Cannabis, incluindo resinas e extratos.

Eucodina

Hidromorfona

Metilamina (relacionada a analgésicos como a pethidina)

A repressão ao uso e cultivo da maconha se intensificou nas décadas seguintes, especialmente a partir da Convenção de Genebra em 1936, que pressionou os países a adotarem legislações mais rígidas contra drogas. Em 1964, com o regime militar, a política antidrogas se tornou ainda mais severa, associando o uso de maconha a comportamentos subversivos e à criminalidade.

A Lei de Tóxicos de 1976 consolidou a criminalização da maconha, incluindo penas severas para o tráfico e uso. A legislação foi endurecida novamente em 2006 com a Lei de Drogas (Lei nº 11.343), que, embora tenha descriminalizado o porte para consumo pessoal, manteve a criminalização do tráfico, com penas ainda mais rígidas.

As resoluções mais recentes sobre a maconha no Brasil envolvem decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que em junho de 2024, decidiu descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal, estabelecendo que a posse de até 40 gramas da substância não deve ser tratada como crime. Essa decisão busca diferenciar o usuário do traficante, algo que teoricamente ‘gerava muita confusão’ e resultava em ‘prisões injustas’.

A decisão do STF também determinou que usuários não poderão ser submetidos a penas de prestação de serviços à comunidade, uma vez que isso seria considerado uma punição de natureza penal. Em vez disso, poderão receber sanções administrativas, como advertências ou a obrigação de frequentar programas educativos.

Outro aspecto da decisão é a realização de mutirões carcerários, coordenados pelo Conselho Nacional de Justiça, para revisar os casos de pessoas que foram presas com pequenas quantidades de CANNABIS, o que pode levar à soltura de muitos desses indivíduos. Há ainda debates sobre a aplicação prática dessa decisão, incluindo a necessidade de novos procedimentos para garantir que ela seja implementada de maneira eficaz e justa.


Aspectos Técnicos da Cannabis

A cannabis é uma planta com uma química complexa, repleta de moléculas chamadas canabinoides, que podem ser isoladas e estudadas. A mais famosa delas é o THC (tetra-hidrocanabinol), conhecida por seu efeito psicoativo, que causa a sensação de "barato". Sua fórmula química é C₂₁H₃₀O₂, composta por 21 átomos de carbono, 30 de hidrogênio e 2 de oxigênio. Além do THC, existem entre 70 e 120 outros canabinoides, e o segundo mais conhecido — cada vez mais popular na medicina — é o CBD (canabidiol). Curiosamente, o CBD tem a mesma fórmula química do THC (C₂₁H₃₀O₂), com a mesma quantidade de átomos, mas sua estrutura molecular é diferente, o que resulta em efeitos bem distintos.

Enquanto o THC é psicoativo, o CBD não é. Uma molécula é considerada psicoativa se a pessoa percebe uma alteração e sente que está sob sua influência — e o CBD não se encaixa nessa definição. O CBD pode representar até 40% do extrato da planta e é um dos muitos canabinoides identificados na cannabis, com potencial terapêutico ainda em estudo.

Outro aspecto marcante da cannabis é seu cheiro característico, que vem dos terpenos — compostos químicos voláteis responsáveis pelos aromas e sabores variados da planta. Além de darem personalidade à cannabis, os terpenos podem ter efeitos adicionais, mas ainda sabemos pouco sobre isso. Estudar todas essas moléculas da cannabis é um trabalho que deve levar décadas.


Os Efeitos Psicoativos do THC

Os efeitos do THC dependem da dose. Mas como é o famoso "barato" da cannabis? Geralmente, envolve euforia e uma sensação de bom humor — afinal, se não fosse algo "positivo", as pessoas não a usariam tanto. O THC também altera o apetite, o humor e a percepção de espaço e tempo. Em doses muito altas, há relatos de alucinações visuais e auditivas. O efeito mais comum, porém, é a percepção distorcida do tempo: parece que horas se passaram, quando na verdade foram apenas minutos. Um estudo com camundongos confirmou esse mesmo fenômeno. Já o aumento do apetite é tão conhecido que é usado em pacientes com câncer para estimular a fome quando ela diminui.


Como a Cannabis Atua no Cérebro

No cérebro, o THC interage principalmente com os receptores canabinoides tipo 1 (CB1), que estão espalhados pelo sistema nervoso central, além de aparecerem em órgãos, glândulas e tecidos conjuntivos. Esses receptores são como fechaduras que, ao receberem uma "chave" específica — como o THC ou a anandamida, um neurotransmissor natural do corpo —, desencadeiam processos biológicos, alterando a atividade de células como os neurônios.

O THC e o CBD interferem no sistema endocanabinoide, que regula a troca de informações entre neurônios, afetando a homeostase (o equilíbrio interno do corpo) e a plasticidade cerebral (a capacidade do cérebro de se adaptar). A anandamida, principal endocanabinoide, tem esse nome derivado de "ananda", palavra sânscrita para "alegria" ou "felicidade", por seu papel em regular o humor e o bem-estar. Diferente da anandamida, que aparece em quantidades moderadas nas sinapses e é rapidamente metabolizada, o THC chega em grandes concentrações, perturbando a biologia natural dos receptores CB1.

Embora os receptores CB1 estejam presentes em quase todos os neurônios, eles não aparecem nos neurônios dopaminérgicos (que produzem dopamina). Ainda assim, estão muito presentes no sistema inibitório que regula esses neurônios, influenciando indiretamente o sistema de dopamina — ligado a recompensa e motivação.

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